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segunda-feira, 28 de março de 2011

Twittendo

Estava eu passando pelo twitter quando me deparei com essa citação: Não importa o que a vida fez de você, importa o que você fez com o que a vida fez de você. [Sartre] - na citação de alguém que surpreende pela escolha do filósofo.

Quem foi Sartre? Além de um fenômeno intelectual, podemos dizer que ele viveu sua vida extravagante como quis e morreu em miséria material e espiritual. Também, fé não foi algo que cultivou, assim como também não guardou do que ganhou nem para pagar a conta de telefone, que estava cortado quando passou mal e precisou de socorro nos seus últimos dias de vida. Suas muitas mulheres talvez tenham feito melhor uso do seu dinheiro... 

Deixando de lado a escolha de quem citou e o autor da frase, vamos ao que informa, ou deforma: o texto. No trecho “o que a vida fez de você”, parece dar à vida a capacidade de agir no indivíduo de forma a determinar o que ele se torna. O sentido mais próximo para “vida” parece ser do Houaiss: o conjunto dos acontecimentos mais relevantes na existência de alguém. Mas, segundo o texto, isso não é o mais importante, e sim, o que o indivíduo fez com isso. Ora, se é a vida que determina o que vai ser ou deixar de ser no indivíduo, então ele, de fato, não opera no plano de ações, mas de recepção das ações, o que, é claro, não o impede de reagir. Mas dizer que os acontecimentos mais relevantes não importam parece estranho, já que a base da ação do indivíduo está exatamente no repertório que a vida lhe fornece.

Outro detalhe é que “fez” é Pretérito Perfeito do verbo “fazer”, o que implica dizer que a ação foi concluída. Ora, como a segunda parte também está no mesmo tempo e modo verbal, está tudo acabado para “você”. Ou o tradutor não foi fiel ao texto original em francês ou a frase é para quem já morreu, a menos que você seja bom em aprender com os erros e/ou acertos dos outros e entenda “você” como o morto... Mas como é filosofia, não importa ser prático, basta ser bonito! Ou não...

terça-feira, 22 de março de 2011

Como assim?!

Algumas coisas que leio ou escuto me deixam com cara de “ué”. Sim, aquela cara de “como assim?”. Uma aluna outro dia comentou essa minha cara e imitou... Isso acontece em sala quando faço uma pergunta e o aluno responde com algo totalmente inesperado, e eu me pergunto, com essa tal cara, “como será que ele chegou a essa resposta?” – é algo intrigante entender o caminho que o pensamento tomou para formular um resultado que, de fato, não parece fazer sentido para quem já está com a ideia pronta na mente. 

Acho que fiz essa mesma cara quando li a seguinte frase: “Deus não se importa muito com q falamos ou escrevemos, Deus se importa com que fazemos.” (sic) – Hã?! Como assim?! A primeira coisa que pensei foi a respeito da fonte que forneceu elementos para a pessoa chegar a essa conclusão; teria sido por observação, leitura do texto bíblico, opinião... Sim, porque é importante levar em consideração a procedência das considerações que são tomadas como base para chegar a uma afirmação tão forte. Afinal, para quem crê em Deus, o que importa para Ele é de suma importância... Mas, não havia informações a respeito, então, vamos ao que temos: a frase.

Parece-me uma boa ideia começar pelo verbo “fazer”. Segundo o Houaiss, “fazer” significa realizar, construir, criar, instituir, cumprir, ocasionar... opa! Escrever!!! – entre os significados de fazer está “escrever” – mas não deve ser nesse sentido que está na frase, ou teríamos uma redundância. A questão é que em todos os sentidos que tomamos do dicionário, parece que caberia falar e escrever como algo “a fazer”! Podemos realizar, construir, criar, instituir, cumprir, ocasionar etc. pela fala ou escrita. Talvez, então, devamos pensar que o verbo “fazer” ali na frase se refira a algo maior como “direcionar a própria vida”, “conduzir seus propósitos”... Aí, eu mesma fico com cara de “ué”, porque falar e escrever são ações que estão tão intimamente ligadas ao propósito da minha vida que se eu parar de escrever e falar, desconfio que não sobrará muito para fazer... ou não!

Eu proponho uma solução para meu próprio impasse: talvez escrever novamente essa frase, de forma que se torne eficiente para mim. Algo como: “Deus deve se importar com o que falamos ou escrevemos na medida em que nossas outras ações confirmam o que estamos a dizer”.  Ah, sim!

quarta-feira, 16 de março de 2011

O melhor ainda está por vir

O título deste texto talvez sugira mais bênçãos na próxima esquina, mas, desapontando a expectativa, não é essa a ideia. Pensando em discurso – o pensamento por trás da estruturação das palavras – percebemos que uma forma comum de apresentar uma nova ação ou pensamento é negando o valor do que estava estabelecido como prática ou conhecimento.

Um exemplo dessa estratégia é a apresentação de evangelização no carnaval como a única possibilidade possível de atividade. Até alguns anos atrás, era comum as igrejas se reunirem para um “retiro”, ou acampamento, em que o tempo era aproveitado para crescimento pessoal ou evangelização. Talvez nem todos usassem para isso; algumas pessoas reclamam que o objetivo de alguns desses encontros era a diversão pura e simples. Qualquer que tenha sido ou se tornado a motivação para certos grupos se afastarem da festa, o fato é que aqueles que estão desenvolvendo novas atividades atribuem negligência por parte dos que mantêm a prática antiga. 

Essa forma de estabelecimento de uma prática ou ideia não é novidade. Políticos usam esse critério em suas campanhas. Falam mal do candidato anterior para mostrar que podem fazer melhor. Alguns pesquisadores da área teórica mostram as falhas de teorias anteriores para estabelecerem outras. O fato é que, em geral, as “novas” práticas ou teorias fazem uso de tudo que viu até o momento para adaptar e então sugerir algo que venha com nova roupagem, mas que refletem o que foi feito, ou uma oposição que nada mais é que o contraste do existente.

A falha dessa forma de raciocínio é desconsiderar, em algumas circunstâncias, os benefícios alcançados até outras possibilidades surgirem. Nem sempre o que vem antes é o pior, pode ser outra possibilidade, pode ter sido a base em que se estruturam as possibilidades futuras. Se entendermos que o melhor é sempre o que está por vir, corremos o risco de não aproveitarmos o que temos, porque sempre vamos esperar o que está por vir... Quando nem sequer sabemos o que virá... Além disso, somar pode ser bem melhor do que dividir!

terça-feira, 1 de março de 2011

Entendes o que estás cantando?

O repertório de cânticos evangélicos modernos dá margem para uma teologia, se não duvidosa, um tanto intrigante. É preciso ao menos ter uma boa noção de linguagem figurada para compreender alguns versos, outros deixam perguntas ruins como: “que será que o autor quis dizer?” – Isso lembra as palavras de Quintana: "Quando alguém pergunta a um autor o que ele quis dizer, é porque um dos dois é burro." – Será que devo ficar preocupada com minha inteligência... Ou seria falta dela?! 

Voltemos para Zaqueu! Em interpretação de textos poéticos é comum, para os profissionais das letras, utilizar a expressão “eu poético” para se referir àquele que se pronuncia nos versos. Pois bem, o “eu poético”, na música Como Zaqueu, se pronuncia no primeiro verso expressando sua vontade de subir o mais alto que estiver em suas possibilidades, assim como fez Zaqueu. Mas, é interessante notar que embora pareça uma comparação[1], não é, uma vez que Zaqueu subiu no plano físico para realmente ver e ouvir aquele que ele chama de Senhor e Pai - conhecendo a história, vamos entender que “Senhor e Pai” fazem referência ao próprio Deus. Já o "eu poético" deseja uma elevação no plano espiritual, que permita entender as coisas espirituais. É possível chegar a essa conclusão porque não seria possível viver literalmente a mesma experiência que Zaqueu viveu, logo, o próprio texto nos conduz à impertinência[2] na linguagem. Assim também no verso “Sou pequeno demais”, tomamos o tamanho de Zaqueu como uma metáfora[3] para a própria limitação de ver e ouvir o Senhor.

O verdadeiro problema de interpretação pode surgir no verso “E chamar Sua atenção para mim”. Seguir o mesmo processo anterior para interpretar seria admitir que o Zaqueu da história tinha intenção de chamar a atenção para si mesmo. Nas versões bíblicas que consultei, não encontrei sinais de que a intenção fosse ser visto, e, sim, ver quem era Jesus. Mais um problema aí é o fato de considerar a necessidade de chamar a atenção de Deus. Estaria o “eu poético” desconsiderando Deus como onisciente?! Em que circunstâncias seria necessário chamar a atenção de Deus?!

Outro problema que desafia a interpretação está no verso “Quero amar somente a Ti”. Segundo o padrão bíblico, o mandamento é amar Deus e também amar o próximo como a si mesmo. Poderíamos considerar que por “amar somente” o “eu poético” elimina a possibilidade de amar outros deuses, mas essa interpretação não encontra apoio uma vez que o verso seguinte é a explicação para amar somente Deus: “Porque o Senhor é meu bem maior”. Ora, parece faltar paralelismo[4] na ideia. Se Deus é o bem maior, deve ser, então, amado acima de tudo e de todos e não amado unicamente, eliminando possibilidade de amar outros – no caso, os próprios semelhantes.

É importante refletir sobre esses pontos para cantar todo o conteúdo com entendimento. Há versos muito bonitos nessa canção, mas todos eles ficam claros para os que cantam ou aqueles que cantam o fazem apenas se deixando levar pela melodia? Cantar ou não cantar é uma decisão pessoal que depende especialmente do entendimento de quem se expressa fazendo uso da música.

No mais, vamos pedindo que Deus faça milagres em nossas vidas para que possamos ver e ouvir mais, do alto, onde está o Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação[5].

Faz um milagre em mim (Como Zaqueu). Intérprete: Regis Danese. Composição: Ângela de Jesus Oliveira. Fonte: http://letras.terra.com.br/regis-danese/1506456/



[1] A comparação, de forma rígida, pressupõe aproximação de duas ideias que tenham semelhança. No caso em questão, uma ideia é do plano físico e a outra do plano espiritual.
[2] A palavra “impertinência” é utilizada quando nos deparamos com um sentido figurado para uma expressão ou palavra.
[3] “Designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança (p.ex., ele tem uma vontade de ferro, para designar uma vontade forte, como o ferro)” – Dicionário Houaiss online, 1 mar. 2011.
[4] “Semelhança, correspondência entre duas coisas ou entre idéias e opiniões.” – Dicionário Houaiss online, 1 mar. 2011.

[5] Tiago 1.17. – Almeida, de acordo com os melhores textos em hebraico e grego.