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terça-feira, 1 de março de 2011

Entendes o que estás cantando?

O repertório de cânticos evangélicos modernos dá margem para uma teologia, se não duvidosa, um tanto intrigante. É preciso ao menos ter uma boa noção de linguagem figurada para compreender alguns versos, outros deixam perguntas ruins como: “que será que o autor quis dizer?” – Isso lembra as palavras de Quintana: "Quando alguém pergunta a um autor o que ele quis dizer, é porque um dos dois é burro." – Será que devo ficar preocupada com minha inteligência... Ou seria falta dela?! 

Voltemos para Zaqueu! Em interpretação de textos poéticos é comum, para os profissionais das letras, utilizar a expressão “eu poético” para se referir àquele que se pronuncia nos versos. Pois bem, o “eu poético”, na música Como Zaqueu, se pronuncia no primeiro verso expressando sua vontade de subir o mais alto que estiver em suas possibilidades, assim como fez Zaqueu. Mas, é interessante notar que embora pareça uma comparação[1], não é, uma vez que Zaqueu subiu no plano físico para realmente ver e ouvir aquele que ele chama de Senhor e Pai - conhecendo a história, vamos entender que “Senhor e Pai” fazem referência ao próprio Deus. Já o "eu poético" deseja uma elevação no plano espiritual, que permita entender as coisas espirituais. É possível chegar a essa conclusão porque não seria possível viver literalmente a mesma experiência que Zaqueu viveu, logo, o próprio texto nos conduz à impertinência[2] na linguagem. Assim também no verso “Sou pequeno demais”, tomamos o tamanho de Zaqueu como uma metáfora[3] para a própria limitação de ver e ouvir o Senhor.

O verdadeiro problema de interpretação pode surgir no verso “E chamar Sua atenção para mim”. Seguir o mesmo processo anterior para interpretar seria admitir que o Zaqueu da história tinha intenção de chamar a atenção para si mesmo. Nas versões bíblicas que consultei, não encontrei sinais de que a intenção fosse ser visto, e, sim, ver quem era Jesus. Mais um problema aí é o fato de considerar a necessidade de chamar a atenção de Deus. Estaria o “eu poético” desconsiderando Deus como onisciente?! Em que circunstâncias seria necessário chamar a atenção de Deus?!

Outro problema que desafia a interpretação está no verso “Quero amar somente a Ti”. Segundo o padrão bíblico, o mandamento é amar Deus e também amar o próximo como a si mesmo. Poderíamos considerar que por “amar somente” o “eu poético” elimina a possibilidade de amar outros deuses, mas essa interpretação não encontra apoio uma vez que o verso seguinte é a explicação para amar somente Deus: “Porque o Senhor é meu bem maior”. Ora, parece faltar paralelismo[4] na ideia. Se Deus é o bem maior, deve ser, então, amado acima de tudo e de todos e não amado unicamente, eliminando possibilidade de amar outros – no caso, os próprios semelhantes.

É importante refletir sobre esses pontos para cantar todo o conteúdo com entendimento. Há versos muito bonitos nessa canção, mas todos eles ficam claros para os que cantam ou aqueles que cantam o fazem apenas se deixando levar pela melodia? Cantar ou não cantar é uma decisão pessoal que depende especialmente do entendimento de quem se expressa fazendo uso da música.

No mais, vamos pedindo que Deus faça milagres em nossas vidas para que possamos ver e ouvir mais, do alto, onde está o Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação[5].

Faz um milagre em mim (Como Zaqueu). Intérprete: Regis Danese. Composição: Ângela de Jesus Oliveira. Fonte: http://letras.terra.com.br/regis-danese/1506456/



[1] A comparação, de forma rígida, pressupõe aproximação de duas ideias que tenham semelhança. No caso em questão, uma ideia é do plano físico e a outra do plano espiritual.
[2] A palavra “impertinência” é utilizada quando nos deparamos com um sentido figurado para uma expressão ou palavra.
[3] “Designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança (p.ex., ele tem uma vontade de ferro, para designar uma vontade forte, como o ferro)” – Dicionário Houaiss online, 1 mar. 2011.
[4] “Semelhança, correspondência entre duas coisas ou entre idéias e opiniões.” – Dicionário Houaiss online, 1 mar. 2011.

[5] Tiago 1.17. – Almeida, de acordo com os melhores textos em hebraico e grego.

Um comentário:

  1. Olá, Lourdes! Graça e paz.
    Sua observação me chamou a atenção e me fez refletir sobre se compreender o que se está cantando.
    Obrigado por me ajudar no meu amadurecimento!

    Nos falamos...
    Everaldo Lima.

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