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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Nosso problema com Zaqueu

Quando se trata de texto, nada é tão simples quanto parece, há sempre uma possibilidade escondida nas “estrepalavras”, além das entrelinhas...

O texto de Lucas 19.8, para efeito de interpretação, levanta algumas questões, que podem ser resolvidas facilmente se optarmos pelo texto original ou comentários, mas, para que facilitar se podemos escarafunchar as versões? 

João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada - Entrementes, Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais.   

Nova Tradução na Linguagem de Hoje - Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: - Escute, Senhor, eu vou dar a metade dos meus bens aos pobres. E, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais.   

Nova Versão Internacional - Mas Zaqueu levantou-se e disse ao Senhor: “Olha, Senhor! Estou dando a metade dos meus bens aos pobres; e se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais”.

Bíblia do Peregrino – Mas Zaqueu se pôs de pé e disse ao Senhor: - Vê, Senhor: dou a metade dos meus bens aos pobres, e a quem defraudei restituo quatro vezes mais.

Vamos começar pensando: afinal, Zaqueu diz ou não que roubou – ou, como variam as versões, defraudou, extorquiu - as pessoas de quem pegou os impostos? Em geral, os pregadores já dizem que ele roubava e nem levam em consideração a conjunção teimosa “se”, que aparece em quase todas as traduções. Seria ela causal ou condicional? Se ela for causal, então, Zaqueu realmente disse que roubou, mas se ela for condicional, ele apenas disse que na possibilidade de ter tirado algo de alguém indevidamente, restituiria. Neste caso, alguém teria que dizer ou mesmo provar que ele roubou.

Voltemos, então, à conjunção que sentencia Zaqueu: se! Como o texto não é lido com palavras isoladas, precisamos considerar as pistas que encontramos no contexto. Na versão Almeida, alguma coisa pode significar uma coisa indeterminada/desconhecida ou uma quantidade que não é precisa – isso colabora para a possibilidade do se como conjunção condicional. Como Zaqueu expressa desconhecimento do que e de quem ele defraudou, pode ser que ele nem tenha defraudado. Na Tradução na Linguagem de Hoje há uma precisão para o verbo roubar, enfatizando a pessoa em detrimento da coisa, ainda que indefinida no uso de alguém. A NVI alivia com “e se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei” – a ausência de vírgula expressa mais a condicional, uma vez que não aparece como uma explicação para o ato de devolver algo a alguém; também o uso do verbo devolver, no futuro, é uma forte tendência à possibilidade. É como se Zaqueu dissesse que devolveria caso surgisse uma pessoa que alegasse ter sido prejudicada por ele, diferente dos pobres que ele diz já estar beneficiando naquele momento. A Bíblia do Peregrino também não soluciona totalmente o mistério; ao colocar “e a quem defraudei restituo...” após a vírgula, entendemos que é uma explicação do que foi dito, em que “quem” é usado como relativo; no caso, daqueles pobres que receberiam da metade dos seus bens, aqueles que foram prejudicados anteriormente receberiam quatro vezes mais. Interessante que a versão internacional tem mais esclarecimentos, mas isso já é outra história.

Dessas observações, notamos que o trabalho de tradução é muito mais que jogar palavras em um papel, porque tudo que é dito toma sentido a partir do que entendemos do texto... ou não... Se Zaqueu era ou não ladrão é uma briga gramatical com direito a possibilidades!

Na próxima semana, eu continuo com Zaqueu, mas então será Como Zaqueu (sic) e sua poética...

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