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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A sedução do discurso lógico

Hoje eu li um texto escrito por um jovem que entendeu a pouca importância de um milagre quando ele não se estende ao seu próximo. Um texto, na minha maneira de ver, bonito, bem articulado, de certa forma, piedoso. Mas, ao me aprofundar no discurso, matutando com meus botões e convidando os seus, encontro alguns argumentos que merecem uma observação cuidadosa - vejam que estou me referindo ao texto e não ao seu autor, até por não ter a menor ideia de quem é essa pessoa. 

Um trecho do texto: “Por isto abro mão dos milagres e das intervenções divinas. Não quero ter uma melhor sorte do que as pessoas que não conhecem a Deus. Não consigo mais conceber Deus me dando uma vida blindada por ele, e ao mesmo tempo as crianças da áfrica (sic) estão morrendo aos milhares de fome e aids. Considero isto um egoismo (sic) da minha parte porque por um simples designio (sic) misterioso eu tenho a proteção divina e estas crianças, que como Cristo disse, são delas o reino dos Céus, não tem esta proteção divina.” Não quero nem entrar em detalhes sobre aspectos teológicos, quero me ater ao texto. Para não parecer tendenciosa, optei pelo parágrafo inteiro, por ter a ideia explicada.

Em análise do discurso, vemos que tudo que produzimos é resultado do nosso repertório. Quem acha que criou algo novo, coitado, não sabe que apenas fez meia dúzia de escolhas, redefiniu umas palavras tomando outras, puxou daqui, esticou de lá: Voilà! Temos algo que parece novo! Mas, procure um pouco e você encontrará outras fontes de repertório similar, afinal, segundo a experiência popular, “nessa vida, nada se cria, tudo se copia”.

Lendo o texto mencionado, senti algo familiar na lógica dele: lembrei! Um filme que assisti não faz muito tempo. O título é Legion (Legião). Em um trecho do filme, Miguel e Gabriel discutem a respeito da ordem dada por “Deus” para destruir a humanidade. Miguel deveria descer e destruir uma criança que seria a esperança da humanidade, mas, questionando a ordem recebida, ele entende que deve preservar aquela vida. Miguel deixa claro que a ordem não era para ser obedecida, mas interpretada, porque “Deus” não queria que fizessem o que ele manda, e, sim, o que ele necessita. Já Gabriel insiste que a obediência a ordem de “Deus” deveria ser incondicional, inquestionável. Miguel prevalece, deixando uma mensagem de que, não importa o que foi dito, mas o que nós entendemos do que foi dito.

Uma interpretação completa daria muitas páginas, mas quero apenas considerar, rapidamente, um pequeno trecho de ambos. Tanto o texto citado como o filme trabalham com o conceito de que a preservação da humanidade - não importa a condição espiritual em que esteja - suplanta todo e qualquer outro conceito, inclusive de qualquer expressão da vontade de Deus que seja contrária a essa preservação. Se arrancarmos todas as páginas do Antigo Testamento e algumas do Novo, é possível sustentar a ideia. Digo em termos de texto! É importante entender as possibilidades de leitura, porque, antes de dizer “concordo” ou “discordo”, é necessário compreender todas as possibilidades que o texto apresenta, inclusive aquela que pode nem ser o pensamento real do autor, mas que o texto comporta na sua interpretação. Quem lê o trecho do texto ou vê o filme pode até levantar outras possibilidades de interpretação, mas elas precisam encontrar base estrutural. Copiou?! 

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