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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O cristão por opção X o cristão por neurose: interpretando a fé

Para falar de fé é preciso definir de que fé estamos falando, considerando que para muitos, inclusive em alguns dicionários, se resume em confiança absoluta. E assim é. Mas o que quero analisar são algumas afirmações de pessoas que colocam a Bíblia como sua base e sua regra de fé. Quando alguém escolhe crer e utilizar a Bíblia como sua regra de conduta, dura coisa o faz. Sim, porque ou crê em tudo que está ali escrito ou assume a postura contrária. Isso me faz lembrar a discussão de alguns gramáticos quanto à existência da “certeza absoluta”, uma vez que certeza é exatamente a ausência de dúvida... Se existe a dúvida, logo, não é certeza. E se é certeza, logo, só pode ser absoluta, não existindo necessidade de repetir o que a palavra certeza já diz. 

A Bíblia define fé como “o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se veem”[1] e mais adiante nesse mesmo texto diz “Pela fé entendemos que os mundos foram criados pela palavra de Deus; de modo que o visível não foi feito daquilo que se vê”. Um livro - ou coleção de livros – que faz uma afirmação dessas já deixou claro que para aceitar suas ideias é preciso disposição pessoal. Ou se aceita tudo que ela propõe ou nega e parte para a descrença.

Freud assumiu sua visão de descrença, mesmo tendo nascido judeu, e postulou sobre sua visão de religião. Para ele, “[...] a religião seria o sintoma neurótico da humanidade” e que “[...] a religião busca impor um modelo de felicidade uniforme, único e restritivo de adaptação à realidade, cujas características são a desvalorização da vida terrena, a substituição do mundo real por um mundo delirante e a inibição intelectual, sem atender, portanto, à infinita variedade das condições psíquicas”[2] – assim ele percebe a vida religiosa. Um amigo de Freud – pastor evangélico[3] – enviou uma carta a Freud dizendo que “preferia muito mais ler um descrente sensato como Freud do que mil crentes sem valor”; também escreveu um artigo sobre as afirmações de Freud dizendo, entre outras coisas, que “[...] o conhecimento não garantia o progresso. A ciência seca e antisséptica, também jamais poderia ocupar o lugar da religião, já que não conseguia inspirar valores morais [...]” e que “[...] a verdadeira fé era uma proteção contra a neurose e que a posição freudiana era ela própria uma ilusão, pois passava ao largo da atitude autêntica do cristão”. Romain Rolland, escritor francês, comentou sobre esse ensaio de Freud que lamentava que Freud não tivesse levado em consideração o fato simples e direto da sensação do eterno.

Como vemos, são duas posições opostas quando se trata de fé em Deus e na Bíblia como revelação de sua vontade: crer ou não crer. Embora Freud não tenha uma posição de fé, ele diz algo que explica algumas posturas religiosas, e quem dá a dica para entendermos é o amigo dele quando diz que o seguidor sincero, que tem atitude autêntica de cristão, não foi considerado. Então, de fato é possível que a pessoa receba a religião em sua vida como uma manifestação de neurose. O cristão por opção analisa o conteúdo bíblico, entende como verdade e faz a opção de colocar sua vida naquele padrão. O cristão por neurose analisa, até entende que possa ser verdade, mas não consegue abrir mão das suas inclinações, então, faz opção pela construção de um muro, um meio termo, uma opção em que ele possa encaixar sua pulsão[4] e manter a religião como seu refúgio neurótico.

O que uma pessoa faz quando para alcançar algo que quer muito precisa renunciar a outra coisa que também quer muito? Uma escolha, correto?! Um exemplo disso foi o caso de uma moça que estava concorrendo no “America's Next Top Model” e seria obrigada a cortar o cabelo, mas ela não aceitou. Era a regra, aceita ou não aceita. Ela fez a escolha. O que é difícil entender – e isso “Freud explica” – é porque algumas pessoas não conseguem fazer a escolha quando se trata de religião. Elas não aceitam a regra e abrem uma igreja pessoal dizendo que naquela igreja pode fazer aquilo que a Bíblia condena e, misteriosamente, somem com os textos bíblicos que condenam suas práticas, quando seria bem mais simples descrer somente.

Aí entra uma outra questão: o inferno. John MacArthur diz que o inferno é tão horrível, tão difícil de entender que algumas pessoas preferem não lidar com ele. As pessoas simplesmente excluem da sua consciência e de seus pensamentos e produzem uma solução melhor, algo que faça sentir-se bem; algo que, do ponto de vista humano, seja mais agradável e justo ao invés de entender o que seja ofender um Deus infinitamente santo e ter que pagar com o castigo eterno. E ele acrescenta que uma forma de sair disso é se tornar totalmente indiferente e apagar da memória. Mas algumas pessoas não conseguem se livrar disso, especialmente aquelas que nasceram “em berço evangélico”, como foi o caso de uma pessoa que ajudou a fundar uma igreja para poder viver sua inclinação sexual. Quando a pessoa leva o inferno a sério, segundo John Piper, ou ela enlouquece ou se volta para o evangelho. Mas em nosso tempo, estamos vendo pessoas que querem conciliar a consciência criando uma ilusão de religiosidade.

O fato é que tanto a Bíblia como boa parte dos segmentos evangélicos são inclusivos quanto a pessoas, mas são exclusivos quanto a comportamento. O que significa dizer que qualquer pessoa pode se tornar parte, mas não é admitido qualquer comportamento. O fato é que o comportamento sexual é prescrito biblicamente dentro de um contexto determinado. O sexo deve ser desfrutado dentro de uma determinada visão. Fora isso, é excluído. Incapaz de aceitar isso, uma pessoa pode argumentar que sua inclinação interior é contrária a essa prescrição e que forçar seria hipocrisia. Mas a proposta bíblica é realmente de autocontrole. Toda pessoa que faz parte de qualquer grupo religioso que queira seguir a Bíblia como manual de conduta terá de controlar a si mesma, e os impulsos em um ser humano podem ser os mais diversos e causadores de estragos. A questão é que aquele que aceita crer entende que está abrindo mão de algo passageiro para desfrutar de algo eterno, porque esse é o sentido da fé, sentido de eternidade. Sim, porque por maior que seja qualquer paixão física, um dia terá seu declínio. É como a pessoa que puxa a pele daqui e dali e se esfola para ficar bela e lisa, porém mais cedo ou mais tarde irá envelhecer e morrer, e, morrendo, o corpo apodrece e fica só osso... Fato!

É preciso que as pessoas desfrutem, de forma confortável, o preço de suas escolhas enquanto estão neste mundo. Porque forjar uma opção inexistente, isso sim é hipocrisia e, em lugar de produzir solução, conduz pessoas ao engano... E é aí que reside o problema: “É inevitável que aconteçam coisas que levem o povo a tropeçar, mas ai da pessoa por meio de quem elas acontecem. Seria melhor que ela fosse lançada no mar com uma pedra de moinho amarrada no pescoço, do que levar um desses pequeninos a pecar.”[5]


[1] Hebreus 11.1
[2] FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Porto Alegre, RS : L&PM, 2011.
[3] Oskar Pfister.
[4] Processo dinâmico, força ou pressão, que faz o organismo tender para uma meta, a qual suprime o estado de tensão ou excitação corporal que é a fonte do processo – Houaiss on line.
[5] Lucas 17.1, 2