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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Quem diz o que quer...

Li o texto de um [1]escritor que expressava sua indignação pela falta de compreensão de seus leitores quanto a suas afirmações. Dizia: “Como explicar que não perdi a fé, que não apostatei, que não estou na ladeira do inferno e que não sou um Belzebu? Diante de juízos subjetivos, melhor calar. [...] Como justificar-me diante da presunção de que não há outro caminho para a espiritualidade que não seja o pacotão doutrinário, que os evangélicos se consideram legítimos guardiões?”   

Na primeira frase, a pergunta revela também uma afirmação, porque o leitor entende que houve, em algum momento anterior ao texto, uma afirmação que conduziu à conclusão de que essa pessoa perdeu a fé, se não com as mesmas palavras expressas por ele, com outras que o levou a essa conclusão. Até aí, nenhum problema, afinal concluir que alguém perdeu a fé é uma possibilidade quando aquilo que a pessoa diz não condiz com o que é esperado por aquele que analisa o [2]texto. O leitor vai interpretar o que lê a partir do seu repertório, é uma das questões da “lei natural da leitura”.

Logo em seguida, o autor expressa insatisfação pela interpretação que tem sido dada aos seus textos e, por isso, afirma optar por se calar. Mas, essa afirmação não é tomada ao pé da letra uma vez que o texto continua, e continua mantendo a temática inicial. Na verdade, uma possibilidade de leitura dessa frase seria: “se eu não conseguir dizer o que quero, já vou me justificando que não disse nada”.

A outra pergunta que segue é bem interessante, porque o escritor faz exatamente o que acabou de criticar: com uma pergunta, critica severamente aqueles que não concordam com suas afirmações. Ou seja, continuando nesse bate e rebate, acabamos em textos sem saída - o leitor que não concorda com o escritor que, por sua vez, não concorda que o leitor não concorde com ele.

[3]Mario de Andrade disse: “Escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente grita. Penso depois, não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi”. Gosto dessa afirmação do Mario, porque, ao abrir a possibilidade de corrigir e justificar, ele deixa claro que o outro também pode ter alguma razão. Eu gosto de pensar que somos livres para concordar e discordar sem precisar entrar em guerra...


[1] O nome do autor não é mencionado porque este blog se destina a procurar possibilidades de leitura, o que mais nos interessa é o texto; só mencionando o escritor se for como recomendação de leitura ou para localizar o leitor.
[2] Entenda por texto toda e qualquer expressão comunicativa.
[3] Escritor modernista (1893-1945).

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