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terça-feira, 3 de maio de 2011

A questão como questão


“Não existe arte que possa decifrar o sentido da alma pela face”[1]. Essas palavras revelam, de certa forma, a complexidade da alma e o quanto é difícil avaliar todo o sentido do que está oculto em cada pessoa. Há os que acreditam ler as pessoas, mas, o que temos, muitas vezes, são pessoas julgando outras por aquilo que elas mesmas são e sentem... Porque entrar no coração de outros não é tarefa realizável.


A citação foi retirada de Macbeth – Shakespeare - e ela nos dá material para muitas páginas de considerações, mas aqui eu quero deixar apenas uma delas: o caminho mais curto para o ser, ou não ser, é a escolha. Para saber quem somos e o que realmente mostramos ser, um bom caminho é olhar para as escolhas que fazemos. 

O grande problema que Macbeth enfrenta é o conflito existente no “estar em cima do muro”. Isso se manifesta na divisão entre a ambição e a falta de coragem; no querer ganhar, ainda que de forma ilegítima, porém, que seja outro a realizar a tarefa suja. Em geral, o ser humano é inclinado a não admitir seu erro, e, para escapar de qualquer acusação, aponta a atitude do outro como razão para sua própria ação.

Os textos de Shakespeare apresentam elementos comuns. Hamlet diz “Ser ou não ser, eis a questão!” como ideia; e Macbeth mostra essa frase em seu conflito no agir; Fernando Pessoa traduz essa mesma visão ao dizer “Não ser é outro ser”.  Logo, temos aí duas opções: ser ou não ser. Duas opções já podem apresentar difícil escolha, especialmente quando surge a terceira: eis a questão!  Colocar essa expressão final nas opções de ser ou não ser se constitui na terceira e mais cruel postura, a de ter dúvida e permanecer em uma eterna pergunta. 

Escolher ser só ambição e agir em conformidade com essa escolha entra em choque com os conceitos éticos e morais que regem o comportamento da sociedade; escolher ser correto e paciente implica em, talvez, não alcançar alvos pessoais ousados. Também é preciso apresentar uma face de conformidade com os conceitos da sociedade; ou isso, ou mudar o pensamento social para acomodar propósitos sórdidos. Isso, porém, não é tarefa para um dia, leva anos. Anos de “não é bem assim”, “é só uma maneira de ver”, “agora não é mais desse jeito”, “precisamos nos ajustar às novas demandas”... E por aí vai. Até que, um dia, não é mais necessário esconder o mal interior, porque o mau já não é tão mau assim, é até muito bom se você considerar que... (aqui aparecem as argumentações dos ajustes de novos conceitos morais - ou imorais).

Muitas vezes, o ser envolve assumir opiniões e atitudes que não são aceitas pelos que se colocam como juízes das ações alheias, ou mesmo a própria pessoa se condena nessa escolha; por outro lado, o não ser pode significar abrir mão do que a alma guarda como desejo maior. Ficar na dúvida guarda o perigo de viver sem sequer existir. De qualquer maneira, as consequências SEMPRE existirão para qualquer posicionamento ou falta dele. E um dia a conta chega. Bem-aventurados os que tiverem saldo para pagar...

Que fique a reflexão:

Ser!?

Não ser!?

O muro!?

O preço!!!



[1] SHAKESPEARE, William. Macbeth; Hamlet, príncipe da Dinamarca. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
Imagem: Angel Boligan

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