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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Análise do soneto camoniano

Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fôra assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: -Mais servira, se não fôra
Para tão longo amor tão curta a vida!

É um soneto italiano com esquema de rimas opostas, ricas e pobres, e versos decassílabos. Tem como base de inspiração o soneto de Petrarca em que o primeiro verso é “Per Rachel ho servito e non per Lia” e em Gênesis 29. O tema desenvolvido é o amor de Jacó por Raquel.
Jacó serviu a Labão, pai de Raquel, durante sete anos com intenção de recebê-la como esposa. Ele serviu com paciência pela esperança sustentada pelo simples fato de vê-la. O pai de Raquel o enganou e deu Lia, irmã mais velha de Raquel, como esposa. Ainda assim, Jacó não desiste do amor de Raquel e serve mais sete anos para ser merecedor do amor tão esperado.
A primeira estrofe mostra o tempo de serviço que Jacó se submeteu em favor de seu tio Labão, para obter dele o direito de marido sobre Raquel, a filha mais nova. Nesse ponto, o sujeito lírico faz uso da conjunção adversativa para dizer que não era ao pai que ele servia na realidade, e, sim, à bela mulher a quem ele pretendia receber como prêmio por tanto tempo de trabalho. É uma maneira poética de exprimir o amor submisso às circunstâncias que impedem de consumar imediatamente. O verbo servir aparece três vezes nessa estrofe, o que pode encaminhar para uma visão de que a servidão de Jacó surge de uma forma tipicamente medieval.
A segunda estrofe expressa a brevidade do tempo, quando os dias são passados na contemplação daquela que seria o pagamento tão esperado. Novamente, o sujeito lírico se vale de uma conjunção adversativa para dizer que, ao contrário dessa espera ansiosa, o pai da moça o engana e dá a outra filha como prêmio, fato que não é esperado por Jacó.
Na terceira estrofe é possível perceber a reação de Jacó. Ele sentiu tristeza por ter sido enganado, ainda mais por ter sido impedido de alcançar o prêmio que se julgava merecedor. No verso “Como se a não tivera merecida,” é possível perceber uma valorização da Mulher, ele a lança num patamar elevado. 
Na quarta estrofe surge a reação de Jacó diante da frustração: resolve trabalhar mais sete anos. Essa estrofe finaliza com uso da fala do próprio Jacó numa frase que mostra esse amor como algo que se renova de forma cíclica. Alguns princípios seguidos no soneto formam pontos de contato com a estética clássica. Existe nesse soneto o princípio da imitação, que é a aceitação de modelos constituídos anteriormente. Era possível pegar versos inteiros ou temas, e cabia ao poeta a originalidade. No caso desse soneto, é indiscutível a qualidade do resultado obtido desse empréstimo, especialmente pela forma bela em que o tema é trabalhado. O racionalismo, mesmo sendo um soneto lírico-amoroso, se apresenta no controle da situação. O problema é tratado de forma a caminhar para uma solução que fosse satisfatória para todos. Está presente também o neoplatonismo, perceptível na fala final de Jacó “Mais serviria, se não fora / Para tão longo amor tão curta a vida!”. É o amor que transcende o tempo e o espaço, e alcança o plano ideal.
O poema traça um Jacó disposto a “servir” por um amor perfeito, absoluto. O verbo atravessa todo o soneto como a indicar a disposição para a fidelidade amorosa. Esse poema, como tantas outras expressões culturais, reflete o desejo humano de alcançar algo que dure para sempre. E há, mas é preciso ver com os olhos da alma para alcançar a eternidade...

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