Cantava
Cazuza que queria uma ideologia[1]
para viver, mas na verdade ele já vivia de acordo com uma. “[...] a ideologia é
constitutiva do processo social. [...] sendo o homem definido como um animal
ideológico”.[2] Uma
das primeiras frases que ouvi em sala de aula no curso de especialização foi “seu
discurso não é seu”. Somos tão apegados ao que pensamos que nossa reação ao
ouvir isso é de choque... Como assim “não é meu”?! Queremos provar que há algo
de nosso no que pensamos, mas, fatalmente, teremos que reconhecer a verdade da
afirmação.
Diante
do fato de reproduzirmos um repertório que nos foi colocado ao longo de nossas
vidas por vários meios, concluímos o que já dizia o pregador “O que foi é o que
há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo
do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos
séculos que foram antes de nós.”[3]
A
notícia boa é que, embora não sejamos criadores do nosso discurso, podemos
escolher o discurso que queremos adotar... Ao menos por enquanto, talvez, quem
sabe, com muita força de vontade... Sim! Com muito esforço, alguns de nós ainda
podem escolher o discurso que vai tomar para si, mas isso parece ter os dias
contados. Já faz algum tempo que venho estudando a presença do espiritualismo[4]
na literatura, e o que mais tem chamado a minha atenção é a ideologia por trás
dos textos[5].
Também aprendemos com os estudiosos do discurso que todo discurso é
intencional, embora muitos só se lembrem disso no que diz respeito aos textos religiosos.
Não é sem intenção que figuras do “imaginário” aparecem no texto com um
discurso que vai sendo transmitido de forma sutil e, de repente, não mais que
de repente, como diria Vinicius de Moraes, do riso tem-se feito o pranto...
Muitos
defendem um liberalismo ditatorial que vai contra a ideia original do próprio liberalismo como uma defesa da liberdade individual. O indivíduo está perdendo
a liberdade de escolher seu discurso, de forma consciente ou inconsciente.
Quando o governo impõe uma lei que você não concorda, mas se vê obrigado a
obedecer sob pena de perseguição, você é obrigado a engolir a escolha que foi
feita por outros e, embora se fale em democracia, no fim das contas a imposição
feita não admite opção contrária. Essa é a perda consciente. Porém, uma mais
perigosa, é a perda da liberdade de escolha de forma inconsciente, colocada na
mente das pessoas sem que elas, de fato, se deem conta do acontecido, apenas
reproduzem o que recebem, porque entrou em suas mentes de uma maneira tão “agradável”
e sutil...
Dr. Donald A. Cowan, presidente emérito da Universidade de Dallas diz: "O
que tomará o lugar da lógica, do fato e da análise na era vindoura? A forma
central de pensamento para essa nova era será a imaginação... A imaginação será
o agente ativo e criativo da cultura, transformando materiais brutos em um
estado mais elevado e inteligível." - Anunciado em um fórum em 1988 no
Dallas Institute of Humanities and Culture. Esse discurso formou o núcleo de
seu livro Unbinding Prometheus: Education for the Coming Age. "A imersão
sensorial ajuda os estudantes a assimilarem a realidade através da
ilusão", escreveu o professor Chris Dede, da Universidade de Harvard, um
líder global no desenvolvimento de programas de tecnologia da educação”. -
Berit Kjos - Assim, a imaginação se torna um instrumento de formação de conceitos sem que a possível vítima - aquele que não percebe as associações do texto - entenda no que está se envolvendo.
É
impressionante como nossa mente pode ser manipulada sem nos darmos conta de que
estamos abrindo mão de escolher e somos preparados para responder com
informações que nem sequer escolhemos. O grande embate nessa história ainda é o
mais velho de todos, começado lá no Éden: “É assim que Deus disse: Não comereis
de toda árvore do jardim?” – eis aqui a ideologia alternativa, estabelecida na
simples pergunta: Você vai se deixar limitar só porque alguém disse que você
não pode fazer? Que é isso? Vai fundo que não vai pegar nada...
Para
saber se a árvore é boa basta ver o fruto... O problema é que tem muita árvore
que o fruto parece bom e bonito para comer, mas por dentro está podre. Escolher
uma ideologia está se tornando cada vez mais difícil, porque o pacote já está
vindo pronto. Lutar por uma sociedade mais justa e melhor?! Vai se preparando
para a guerra, porque o mar não está para peixe...
[1] Sistema
de ideias (crenças, tradições, princípios e mitos) interdependentes,
sustentadas por um grupo social de qualquer natureza ou dimensão, as quais
refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos
institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos –
dicionário Houaiss online.
[2] Émile
Durkheim - acadêmico, sociólogo, antropólogo e filósofo francês, considerado um
dos pais da Sociologia moderna, reconhecido como um dos melhores teóricos do
conceito da coesão social.
[3]
Eclesiastes 1.9, 10
[4]
Qualquer doutrina ocultista ou religiosa que acredita na existência de
espíritos imateriais – dicionário Houaiss online.
[5]
O texto não apenas envolve a escrita, também outras unidades que constituem comunicação.